Daniel Costa 4f5z1s

Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN. 413u6b

COMPRO, LOGO EXISTO 25z2v

17/05/2025 07h44

 

O consumo, hoje em dia, tornou-se mais do que uma prática cotidiana – ou a ser uma forma extrema de distinção social. Não se trata apenas de comprar um carro caro com tecnologia de ponta, mas de adquirir objetos que funcionem como selos de pertencimento a uma elite simbólica. 

 

Falo do consumo supérfluo elevado ao absurdo: pagar um milhão de dólares em um carro, não pelo seu desempenho, mas porque ostenta o emblema de uma marca que “diz” quem você é. Nesse jogo, o valor do produto não está em sua utilidade, mas na sua capacidade de comunicar status, de separar os que “contam” dos que não contam.

 

É o que também se vê acontecer com o mercado de  vinhos e charutos. O sujeito adquire um vinho ou um charuto de 10 mil reais, não por qualidades sensoriais excepcionais, mas apenas para dizer em que local ele se situa na pirâmide social, que vai da extrema pobreza à super-riqueza. O consumo como performance. Eu posso e você não pode.

 

Claro, é razoável reconhecer que há diferença entre um vinho Dom Bosco e um Pêra-Manca. Só que depois de ultraada a linha que demarca a qualidade do produto, o que é bom do que é ruim, o que resta é narrativa – e vaidade. a-se do gosto ao gesto simbólico. É a vida para o consumo de que fala Bauman. 

 

Seguindo essa lógica do consumismo nonsense, me deparei, dia desses, com mais uma invenção do mercado: a criação artificial da necessidade de gastar, baseada na elevação do preço como forma de distinção. A finalidade? Fazer com que as pessoas se sintam diferentes umas das outras, aquela coisa de pertencer à confraria que dita as regras do valor. 

 

No caso, essa distinção entre as pessoas pela via do consumo foi causada pela separação de grupos dentro de um espaço físico num show. A diferença entre o ingresso mais barato e o mais caro era tão somente o lugar em que se ficava no gramado do estádio. A chamada “área VIP” (nome que já carrega a lógica da exclusão) era apenas o espaço reservado à turma que teve condição financeira de colocar as pratas na mesa. Uma cerca baixa de metal separava essa rapaziada que soltou mais dólares, dos outros seres mortais. Nenhum benefício extra, nenhuma experiência diferenciada. 

 

Quem não pôde gastar mais viu o mesmíssimo show, com a única diferença de estar do outro lado da tal cerca, sem poder entrar em contato, portanto, com as pessoas VIPs, que sacaram o dinheiro do caixa para, no final das contas, valorizarem um único produto: elas mesmas.

 

Uma situação inacreditável, em que o valor do ingresso serviu como um distintivo social causado pela privação do o, da possibilidade de autovalorização. Algo parecido com o que escreveu Pierre Bourdieu, para quem é possível que não exista pior privação, pior carência, que a dos perdedores na luta simbólica por reconhecimento, por o a uma existência socialmente reconhecida - em suma, por humanidade.

 

 


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