Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror. 4567r
A frase carregada de misoginia que está no título desse texto foi proferida pelo parlamentar Marcos Rogério (PL-RO) em plena audiência da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado a Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente.
Na ocasião, o senador buscava a aprovação o Projeto de Lei (PL) 2159/2021, popularmente conhecido por PL da devastação, que propõe unificar e simplificar as regras do licenciamento ambiental. O documento regulamenta o inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal, que exige um estudo prévio e transparente de impacto sobre o meio ambiente de obras potencialmente poluidoras.
Dito de outra forma, esse projeto devastador abre o precedente para que empresas se autolicenciem, dispensem estudos de impacto, ignorem a crise climática e, consequentemente, promovam o genocídio de comunidades tradicionais. Isso não só inviabiliza o desmatamento zero defendido por Lula como põe em risco a Mata Atlântica brasileira (ou o que sobrou dela – atualmente, restam menos de 29% da sua vegetação original). 27 de maio, aliás, foi o Dia da Mata Atlântica, data em que ocorreu o episódio trágico e simbólico envolvendo a Ministra.
Nesse contexto, o lugar (real) de Marina Silva é o de pedra no sapato da bancada ruralista que atua com seu poder destruidor do clima e da ciência à medida que se empenha em desacreditá-la. Vale lembrar que essa agenda ambiental não é apenas a pauta principal do seu ministério, a vida da Ministra sempre foi toda dedicada ao enfrentamento aos retrocessos ambientais com impactos severos em nossas vidas e no futuro do planeta. Como bem mencionou em entrevista, após a fatídica audiência: “Meu lugar é defender o Meio Ambiente!”
Além da frase que está no título desse texto, nessa mesma audiência para a qual foi convidada como Ministra, outra declaração foi feita pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), o mesmo que, estando a Ministra em exercício da profissão, revelou querer enforcá-la: “E ao olhar para a senhora, estou vendo uma ministra, eu não estou falando com a mulher porque a mulher merece respeito, a ministra não.”
Quando um parlamentar desse é eleito, revela os bastidores do que há no coração de uma sociedade. Apoiar discursos é também dar o aval para que se concretizem na realidade. Não por acaso ocupamos o ranking de país com altas taxas de feminicídio no mundo. A situação envolvendo a Ministra, uma mulher negra, é um sintoma da doença que se alastra pelas repartições e outros espaços sociais e laborais brasileiros.
Sou funcionária pública desde 2004. Inicialmente, fui docente do município de Natal. Hoje, leciono no Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Vou trazer pequenos recortes de declarações enunciadas por vozes masculinas contra mulheres em pleno exercício da profissão. Não se trata de algo inventado, pois sou testemunha.
“Eu preferia estar assistindo o X-vídeos a ouvir essa mulher falando.” (Um educador sobre uma pedagoga no ato de sua apresentação, a qual trazia uma solução pedagógica para as aulas remotas em plena Pandemia de Covid19)
“Muito bem! Tá bom, tá bom, eu concordo com você.” (Fala de um educador proferida com tom de voz alterado e palmas efusivas, cortando a fala de uma colega em plena reunião pedagógica).
“Que ideia boa para ser implementada! Essa é uma sugestão inteligente.” (Um colega de trabalho em cargo de apoio à gestão, acatando a sugestão de um dos seus pares, após cortar a fala de uma docente que sugeriu a mesma ideia minutos antes).
Nesses 25 anos de trabalho, eu teria uma lista imensa de episódios que presenciei: desrespeito, tentativas de silenciamento, cortes de microfone em mesa de congresso científico ou em banca de defesa, assédio moral, enfim, formas de violência em situações institucionais.
Na posição de vítima (sim, eu faço parte dessas estatísticas), recordo do tempo em que era aluna do curso de Letras, na UFRN, quando um dos meus professores, ao me ver grávida, disse para a turma: “Não sei para que essas mulheres buchudas [Sic!] inventam de estudar. O lugar delas é esquentando a comida do marido e esfriando no tanque de lavar roupa.” Lembro do silêncio que atravessou a sala de aula e do encolhimento dos ombros como se todos os presentes quisessem se enfiar nas cadeiras por tamanha vergonha. Só aquele docente ministrava aquela disciplina obrigatória. Qual a opção além de ignorá-lo e seguir adiante? A resposta para isso levaria tempo. Antes de este dia chegar, eu estudava em casa até 2h da manhã, todos os dias, incansavelmente, depois que eu voltava da universidade. Minha “sorte” foi ter parido nas férias. Outra colega, atravessando o puerpério, foi reprovada pelo referido docente por estar afastada das aulas, ainda que a Lei lhe garantisse o período de licença-maternidade.
Esse texto, nesta coluna, é uma resposta e um sinal de esperança para todas as mulheres que querem ocupar os espaços sociais. Como diz uma máxima popular, o amor e a revolta não podem esfriar. Enquanto o tal professor vive recluso e sozinho, agora, adas duas décadas e meia daquela declaração vinda de um estudioso da linguagem, posso responder a contento: Não, professor, meu lugar é na pesquisa e na escrita literária e/ou jornalística, onde posso investigar, contestar, não me calar e deixar minha contribuição no mundo. A escrita é a minha vida. Foram anos estudando para isso, aprendendo a resistir com a Literatura às ofensivas de pessoas como o senhor: machistas e misóginos.
Então, quando as mulheres dizem: “Somos todas Marina Silva”, significa que não apenas somos solidárias, entendemos bem por também armos por isso diariamente. Nessa coluna, não sou apenas solidária à Ministra, mas a todas as mulheres que aram, am ou arão por isso no exercício da formação e da profissão. Força, mulheres!
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).